...No princípio era o Verbo...

terça-feira, 31 de agosto de 2010

suspiro

respiro este ar
pequenas particulas de oxigênio com a sua cara nelas, elas pairam segundos na minha frente antes de serem sugadas pelas narinas, renomadas acrobatas! e só então invadem pelas vias aéreas, tomam os pulmões, rodopiam pela mucosa, mas precisam sair!
e então passeia pelo peito, você bombeia no meu coração, pega força, e bem forte desce pelas pernas, para os tornozelos, até o dedinho mindinho - um centimetrozinho de mim não pode escapar à sua presença celular, nem que pra isso tenha que se desdobrar em outras pequenas partículas menores com enfim braços e pernas e mãos. você sentiu falta delas, afinal, principalmente quando avistou o ventre úmido passando de relance. você não podia deixar passar essa, claro.
suas partes, seus versos, e versículos, ventrículos, seus subátomos vasculham a intimidade dos meus ovários, flutuando, dançando satisfeito, vários álvaros improvisando gestos na corrente sanguínea vermelha. te acolho assim, dentro de mim, como nunca fiz com ninguém. nem com os que pediram licença, nem com os que ligaram no dia seguinte, nem mesmo com os que eu quis eu fiz assim e deixei que fizesse tão solto. os outros escapuliram, mas você se espalhou. devagar-mas-com-vontade. bem você...
quando eu expiro este ar já não sei mais se você é o que está aqui dentro ou se está nos lugares onde olho.
suspiro.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

fim da linha

e naquele dia ela tentou disfarçar o som que fazia a chave avançando nas voltas da papaiz,
ela disfarçava era claro, pois aquele som, como o som da roleta do revólver rodando, brincando com a vida,
aquele som era o correspondente exato do som da tampa fechando o caixão,
significava que o tempo estava se esgotando, e que o fim se aproximava a galope.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

na pedreira

verter-se pelo abismo
e derramar-se longelíneo, comprido
testo minhas asas sobre o vazio. não tenho medo
não pareço mais pequeno, firmado com os dedos dos pés agarrados à beira
- o vacilo antes do salto final -
sei que pequeno não é o que sou, tenho meu tamanho
não acho o inseto pequeno, por exemplo,
seria um tanto sem cabimento!
acho que toda coisa tem seu Universo brotando, expandindo
sempre pra frente,
sempre comprido...



(foto tirada por Iara Borges)







sábado, 21 de agosto de 2010

re(encontro)

eu não preciso pensar você
para senti-lo
é como se na verdade, você sempre houvesse existido
além dos meus sonhos, no meu pedido
e quando aconteceu,
fez sentir,
e fez sentido.


agora eu como frutas todo dia
até malhar eu malho, na academia
passeio admirando o céu, cabeça erguida
passeio admirando o povo...
passeio alheio ao movimento caótico do Todo,
sou só meditação,
sou só. e somos juntos.

Meditações sobre Depilação

Antes:

* toda aquela preparação emocional, o impulso latente de desistir e ir comer uma fatia de pizza em qualquer lugar, jurando pra si mesma que nada aconteceu.

* o cálculo das finanças, você sofre até mesmo antes, cara amiga, apenas não percebe, pois provavelmente essa rotina excruciante já devorou seu coração. você, mulher moderna, precisa ter correndo nas veias a bravura de uma galinha que, na esteira, vai indo pro abate. Força nessa hora! ser fêmea é resistir, bonita, pense nisso.

* você ajeita a depilação no seu dia de forma que depois dela você se movimente o mínimo possível. quem faz sabe porque, e sendo assim, não precisa dizer mais nada. ninguém marca uma depilação e depois vai correr na Lagoa, é algo que você simplesmente não faz.




Na cabine:

* respiração controlada, pensamento Loading Deus . . ., e a esperança de que dessa vez vá doer menos.

* pensa que no final vai valer a pena, pensa nos bofes e nos bafos, e pensa que isso tudo está sendo feito por um Motivo Maior. o pensamento nessa situação é sua arma mais poderosa!

* pensa-se em conversar com a depiladora e automaticamente veta-se a idéia, voltando a prestar atenção na respiração e tudo o mais - o que pelo menos ao longe garante um momento menos estressante.

* aqui rola o sentimento inalienável de que se você conhecesse o infeliz que inventou a depilação, ele já estaria cortado em pedaços no canil da sua casa.

* hoje, depois de terminado o Massacre da Cera Quente, ouvi uma depiladora pedindo pra outra "passar o uísque".
gelei, pensei, e cheguei a conclusão de que a moçoila tinha dito outra coisa que fazia mais sentido e da qual não consigo lembrar agora.
enfim, pensei comigo, "Podia ser pior", a cera podia ser fria, e a depiladora podia ser alcólatra, pra nós vermos que nem tudo é um canal de esgoto nesse caminho...




Saindo do instituto de depilação:

* aquela sensação infame de que qualquer um que te vê saindo de um instituto de depilação COM CERTEZA imagina você depiladinha. homem ou mulher, não importa, não dá pra fugir disso. o pensamento voa, e quando a pessoa menos espera ela já botou os olhos na sua pélvis e você, nem sentiu.

* você sente a inspiração latejando nas suas sinapses, uma raivinha que faz as palavras aparecerem mais depressa na sua cabeça, você sabe que o processo criativo te aguarda em casa. o tema? alguma coisa entre "Liberdade de Expressão & o Universo Feminino" e "A luta contra o patriarcado em 10 momentos". não varia muito além disso, e nós entendemos demais o porquê.

* por fim, a recompensante e gloriosa sensação de dever cumprido. nos sentimos mais leves, mais contentes, enfim, mais mulheres. agora você pode encarar sua night com naturalidade e sem medo de ser surpreendida caso você acabe a noite acompanhada.




Lição de Moral:

* depilar arrocha, mas compensa.

* a depiladora é nossa amiga, e não o seu boy. tudo bem você se abrir 100% pra ela.

* e, no final, você pode sempre confiar no gelzinho de algas, que afaga a sua intimidade com todo respeito.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Desperte

somos muitos, somos vários...
nem de todo dormindo, nem de todo acordados

sábado, 14 de agosto de 2010

mais macho

acho que conheci alguém interessante. e acho que talvez isso venha a ser importante. para alguém.
quem sabe não é? quem sabe?
alguém, a esse ponto do campeonato, após a surra de um segundo tempo mal aproveitado, alguém?
que é para a gente ver que as coisas dessa vida não tem lógica, não constam no cadastro, e de registro só é recorrer às poesias de um poeta português mal pago. nada mais.
no meio de tanta gente moderna, num retiro insuspeitado em pleno centro da cidade ao meio-dia, quem seria ela? quem seria?

me esforçava sob o sol, o cenho franzido salpicado de gotas ousadíssimas de suor, tentava eu me concentrar naquelas palavras, que talvez fossem as únicas que um dia desejei ouvir das bocas de uma mulher, de qualquer mulher que fosse... como era possível fazer-me crer em amor a primeira vista em míseros segundos, sob um sol tão imundo? quem me faria acreditar em mulheres, eu imaginava... tentando me concentrar, o suor salgado correndo pra dentro do nó da gravata, sob a camisa social encharcada: símbolo da disciplina trabalhista a que eu me mal acostumava...

não tinha nem um puto no banco, imagine... como podia Sheila dizer coisas tão bonitas sem saber de nada disso? nada de mim?
e dizia que me sabia, de cor, coisas que mulher diz, verdades sem fim... e então quando menos percebi, no meio daquilo que só podia ser um delírio, limpei a testa e estiquei meus braços desejando aquele abraço tão ardentemente quanto desejava o esfriamento instantâneo do rio de janeiro, e abraçando, sentindo a misteriosa fragilidade de seus ossos, descobri a mágica insondável que é admirar uma fêmea.
hoje, sou muito mais macho. hoje estou completo.

Religare a Si

"Muita religião, seu moço! Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito todas. Bebo água de todo rio...
Uma só, para mim, é pouca, talvez não me chegue. Rezo cristão, católico, embrenho a certo; e aceito as preces de compadre meu Quelemém, doutrina dele, de Cardéque. Mas, quando posso, vou no Mindubim, onde um Matias é crente, metodista: a gente se acusa de pecador, lê alto a Bíblia, e ora!, cantando hinos belos deles.
Tudo me quieta e me suspende. Qualquer sombrinha me refresca..."
Grande Sertão:Veredas, Guimarães Rosa



"...Se eu quiser falar com Deus
Tenho que me aventurar
Tenho que subir aos céus
Sem cordas pra segurar
Tenho que dizer adeus
Dar as costas, caminhar
Decidido, pela estrada
Que ao findar vai dar em nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Do que eu pensava encontrar..."

Se eu quiser falar com Deus, Gilberto Gil



quarta-feira, 11 de agosto de 2010

o silêncio não incomoda mais
nem as vozes
dentro e fora de mim
não são mais ruídos.
Tudo está preenchido do Sagrado
e sendo assim,
não há um milímetro de algo
que possa ser considerado ruim.

domingo, 8 de agosto de 2010

Um brinde à Vida Eterna!

- agora? - ela quis perguntar, de impulso, de costume, e assim o fez.

- sim, agora... - ele coçou a cuca, carinhou a barba e acrescentou, com o carisma e a tranquilidade de quem olha para uma velha situação conhecida. - agora. e antes também...

- agora? agora eu sou um eu que fala um pooouco menos sobre si.
mas você sabe o quanto amoodeio definições, não sabe? claro que sabe!
eu odeio a truculência da nomenclatura, João!!! mas me delicio imensamente ao enovelar-me em seus encantos... como um vício qualquer sabe? como cheiro de cigarro na roupa!
sabes que não posso nem dizer esse sentimento?! não posso! sem que ele me invada a espinha e rasgue o véu do mundo dos pensamentos! deslumbro-me com tantos potes em que podem caber a minha idéia, tantas caixas, entalhadas, abertas, fechadas, de aço, coloridas, de cortiça! tantas palavras, tantos conceitos e ainda assim, tantas sobras...!

...

fez-se um silêncio. um silêncio comum ao cessar das grandes tempestades. observe-o, principalmente em cidades ou vilas, verás quão maior é esta percepção do que mero lapso sonoro. o rosto da menina, iluminado pela chama tremulante da vela, os olhos fechados, tinha a expressão aliviada de quem ostenta em Glória, seu coração aberto. uma Lótus em pétalas, dentro dela via-se germinar um ponto dourado de luz, e à sua volta raios rosados irradiavam de seu Corpo Áurico.

quando o Amor se abate, um corpo torna-se a medida irrisória do que é pouco. o Amor quer também o outro.

a mentira mais mal contada do mundo é que cegos não vêem. bom, em geral até faz sentido, mas este cego aqui, esse tal de João, podia testemunhar algo que nunca antes tinha sido mirado por um ser humano encarnado: um corpo. jovem / se enchendo de Amor, Divino - coisa que enxergantes jamais poderiam ver com suas maquininhas oculares superestimadas! era incrível a cena, vista de cima: descia uma luz tão forte do Reino dos Céus, que os Mestres espirituais que orientavam nosso grupo nos pediram para afastarmo-nos um pouco. algo em minha cabeça dizia que havia de ter algo com a interferência da nossa energia imperfeita na comunicação que se dava entre os Planos Superiores e a jovem menina.

tudo se harmonizava à volta deles. de cima conseguíamos ver as moléculas de Amor, organizando todo o Caos energético vindo do vilarejo que circundava a cabana pobremente iluminada. aos olhos da matéria, a única luz visível pelo lado de fora era encontrada por entre as frestas do eucalipto e no entanto, sob a visão do espírito, o que antes era apenas o usual breu da floresta, transformava-se num carnaval inacreditável de seres - de todas feições e feitios - e Luzes cambiantes, rondando em torno dos dois.

se nos suspendêsse-nos até o topo do globo terrestre, ainda assim veríamos a Luz dourada irradiada por aquela conversa tão insuspeitadamente radiante. e como essa fagulha, muitas muitas outras, espalhadas pelo Planeta. produzidas por situações tão aparentemente ordinárias que vocês ririam de mim caso as descrevesse! essas fagulhas são como rimas, ocasos de harmonia, choques de placas tectônicas humanas cuja fonte pode ser um beijo saudoso, uma peça de arte feita em conjuntos, qualquer coisa. acontece! vocês verão... as almas se impactam, por um momento se aparelham e quando acontece, produzem luz! é difícil de acreditar, e eu também duvidaria, mas os homens mais admiráveis dessa Terra, mesmo os mais sábios, apavoraram-se com a infinidade de mistérios envolvendo o Grande Espírito com que se depararam ao desligarem-se da matéria.

João foi ao quarto, dividido da cozinha por uma simples canga presa ao batente, voltando em pouco tempo com seu atabaque.
Laís sorria, com os olhos semi-cerrados - expressão tão comum ao estado de espírito transcendente! - e com as mãos inconscientemente impostas em Granthi mudrá, aguardava em profunda paz seu companheiro voltar.

ao sentar-se, o senhor, que não era seu avô nem nada mas podia ter sido, tomou uma respiração prolongada e suspirou as seguintes palavras: defina-se agora. não defina a etapa personal da sua vida, pois isto todos podem deduzir.
quando falo de você, falo de uma instância mais especial mais distinta de você. uma parte de você que por acaso te sussurrou todas essas coisas bonitas e tocantes que ouvistes enquanto estavas de olhos fechados...

mais uma pausa se fez, e a menina tornou-se levemente apreensiva pelo que ela considerou, erradamente, um puxão-de-orelha. esperou o velho então prosseguir...

- descreva de alguma forma, não importa qual, o insight que acabou de ter sobre si mesma, Laís. não se esconda! todos nós já passamos pela percepção infâme que é a de sermos menores do que o nosso ego diz que somos! vamos, descontraia-se!

ela sorriu, despertando em si, novamente, a doçura e o abandono que a embalavam instantes antes. respirou fundo, e prendeu a respiração lá dentro dos pulmões, enquanto pensava sobre o que o velho tinha acabado de a incumbir.
enquanto ela tomava seus segundos para refletir, velho João tocava suavemente seu tambor, e este ressoava apenas em torno da cabana, não invadia o sono dos vizinhos, nem a paz dos ainda despertos. era incrível que mãos tão antigas pudessem precisar a intensidade exata que lhes cabia àquela hora da noite!
o velho João era conhecido no vilarejo por ser um daqueles sujeitos que jamais deixam rastros ou zumbidos por onde passam...

- acho que sou... ou somos, ? - encorajando-se, Laís continuou com sua usual riqueza gestual ao descrever a si mesma e aos outros para o velho senhor...
- uma escada! ou uma porta para o Nada, para o Reino do Desconhecido. e cada um de nós, é uma escada ou uma porta bem diferentes uma das outras, sabe? tem umas que são tão largas que 3 obesos poderiam subir nela sem esbarrar seus pneuzinhos! tem outras que são tão estreitas que só comportam a si mesmas e olhe lá! estas são aquelas escadas de plástico que estão sempre rangendo e prestes a desmontar! e uma não é melhor, nem pior que a outra por suas características, cada uma acessa o Poder da forma como lhe cabe, da forma como escolheu pra si, ao longo de tooodas as suas vidas anteriores...
não é assim, João?? - inquiriu o velho com o olhar flamejante tão comum aos filhos e filhas de Iansã. este olhar deu ao senhor o direito de uma gargalhada que sumia gradualmente, uma gargalhada espaçada, tranquila, e limpíssima! como se os pulmões daquele ancião não tivessem nunca sido tocados por qualquer impureza!


- é assim sim, Laís, é assim... - João deu os últimos toques no atabaque, e ao pronunciar as derradeiras palavras, com a mesma maciez que João chegara à Vida, foi com esta que João saíra dela. fechou os olhos pela última vez, e tranquilamente fez a passagem.

JÁ Consumidos & JÁ Consumados

Quem sou eu