...No princípio era o Verbo...

domingo, 13 de junho de 2010

pedacinhos de reflexões

* eu tento adotar a postura dele de macheza perante a vida, de não vacilação, totalmente desavisada de que essa postura não é possível em absoluto. a própria existência de uma capa de não-hesitação, não-receio, não-erro revela a raiz dessa postura: o desamor, a decepção, e a promessa de não sofrer mais. mas com pouca idade você não sabe disso, e muito embora tenha bastante autonomia de pensamento, algo muito mais misterioso que um vínculo co-sangüíneo estabelece uma relação profunda entre pai-e-filho, e você admira eles, admira sua experiência. se crianças não considerassem, nem que seja minimamente, a proeminência de seus pais e dos mais velhos, dificilmente recorreriam a seus colos, e às suas respostas. e eu acredito que coloquei as minhas respostas mais subjetivas nas mãos da pessoa que menos conseguia lidar com incertezas e sofrimento:
- daddieeeeee......

e eu admirava o proceder dele pois que tinha um ar firme, cizudo, de quem sempre sabe o que está fazendo, mesmo que esteja profundamente distraído com tudo. tão distraído que talvez fosse necessário que um Boing caísse sobre mim pra que ele pudesse olhar pro meu rosto durante 5 minutos, sem desviá-los gentilmente pro jogo de golfe na televisão.
então foi nas mãos vacilantes, mas extremamente preocupadas, que as minhas preocupações caíam. era nas soluções de meu pai que minhas indagações descansariam (ou não descansariam jamais! - começo a perceber agora).
de toda forma, adotei seu estilo de vida, sua postura física nem tanto, nunca consegui a musculatura disciplinada e aristocrática de papai, e secretamente culpava a genética sentimentalóide e muscularmente insípida de minha mãe. foi deste homem em quem me inspirei pra construir esta mulher que escreve pra ninguém neste exato momento em que essas letras pipocam na tela ao meu comando... e neste jogo que escolhi pra jogar, bem, digamos que eu tenha tido que baixar um aplicativo para rodar esse jogo...... esse aplicativo chama-se "self Denial", e dentro dele posso rodar diversos jogos na verdade, a impecabilidade, a inacessibilidade, a supremacia, uma moça de Qi elevado, um dda, uma criança, uma adulta c/ suas responsabilidades, ou uma pessoa de saúde frágil,... é o jogo de ser quem você quiser ser. a única coisa que você tem que fazer é considerar que não precisa mais das suas "más" qualidades, que elas estão te atravancando, e que elas não te representam, não representam o Novo Você que está a surgir quando você finalmente clica "baixar"!
é preciso Força pra sobreviver a essa aventura, a esse romance que a gente ingressa quando deseja esquecer quem somos! é preciso Força pra viver! eu acreditei demais na força! e hoje digo com total tranquilidade de consciência que acreditar ser forte NUNCA me fez sentir menos fraca. esse personagem que eu escolhi representar tinha tudo aquilo que eu nunca vi em mim. em mim sobrava apenas uma docilidade que não cabia, uma permissividade incompreensível, perturbada, algo simplesmente errado de sentir, porque infringia dor! do alto da minha arrogância, selando a senda da auto-ilusão, via apenas uma ingenuidade a ser aplacada, eu sobreviveria à ela e seria mais forte que todos os fortes à minha volta!
seria distante, nebulosa, e assim, deixaria de sofrer! algo suavemente diferente do que intuí que meu pai vinha fazendo (este cultivar da "força" - ou do auto-engano) e que hoje tenho a graça de ver ser desconstruída em mim e nele também.

quando vejo meu pai hoje, perdoando seus próprios equívocos, suas posturas que estavam enganadas, quando vejo meu pai - bem aos pouquinhos - dar férias ao seu implacável guerreiro interior, eu respiro junto e novo que nem ele! aos poucos Luiz vai acalmando esse guerreiro dizendo que ele foi muito útil enquanto ainda morava em cascadura, ou em pernambuco, o guerreiro brigão replica dizendo que pode vencer mais uma batalha sem esforço! esses pedaços da gente tem vida própria, meu povo, e eles não querem morrer não, eles querem te defender do mundo injusto! mas é preciso que você os deixe ir... porque você já viu que não há nada do que se defender, e não há nada que você não deseje saber sobre quem você é, ou sobre quem pode ser... e é preciso que não deseje brigar mais afinal, em total e sóbria consciência de alma. porque já nos machucamos sem lutar contra as coisas, e o ódio envenena nossa paz de espírito que era pra ser inviolável. não queremos mais porque podemos não querer mais, porque somos autores e não vítimas de quem nós somos.

enquanto meu pai se opera, vejo que no Hall de mim, começo a abandonar a armadura mais e mais, e me permito à moleza do corpo, me conforto na vulnerabilidade da carne que vibra com os sons e com o vento, me acostumo a sinuosidade e franqueza do corpo cru com curvas e deslizes e retas e prolongamentos pontilhados, sutis, energéticos. ninguém precisa entender que não estou mais lutando contra a vida, eu mesma estou entendendo isso, e assim consigo concluir, tranquila, que estar em paz é a verdadeira salvação prometida.
se redimir é amar (e não crucificar) nossos pequenos pecados; enquanto se tornar pacífico é aprender amar os pecados também nos outros.

ps intertextual: o tal nazareno viveu sua vida em respeito e auto-abandono, em amor e em devoção cega ao Amor. mas tudo o quê o mundo conseguiu apreender de sua vida-obra foi sua Morte e sua cruz, seu sangue e seu corpo. nada mais.
as religiões que criamos, os deuses que criamos, são formas-pensamento que usamos para aplacar nossas dores. a religião deveria servir a te reconectar com Si, te fazer crescer em júbilo e em Sabedoria. não em crença, em dúvida, em endagação, em ódio, em ritual, em auto-punição, etc, etc


* quando admiramos algo que não vemos em nós, mas nos identificamos com aquilo mesmo assim, essa admiração é um indício, uma pista-alerta, uma ligação aos Bombeiros para que aquela nossa característica de alma nos seja novamente apresentada. notei que há uns anos, conforme secretamente ia azedando e envelhecendo meus conceitos, era crescente minha admiração pelos meus amigos-criança, pelos indivíduos que simplesmente eram a despeito do julgamento dos outros, que simplesmente não ligavam pra violência das pessoas e suas opiniões, eles simplesmente desviavam suas atenções das minhas críticas e tornavam a coisa toda de viver parecendo uma brincadeira de novo. esse povo do circo sem muita auto-crítica, sempre me impressionou. e eu, me vendo apenas como construção e não como construtora, reparei que admirava tanto aquilo porque aquela qualidade certamente não constava na minha escassa lista. e pus-me a admirar agora, com certa dose de melancolia, como quem finalmente reconhece que "nunca será diferente disso que está sendo entediantemente agora".
hoje, chafurdando em todo o lixo de self-missunderstanding, coisas que eu quis entulhar sem discriminar o que aquilo dizia sobre mim, e ENFINS, percebi que o que eu admirava nos outros, eu realmente havia PERDIDO, e isso significava dizer objetivamente que aquilo já HAVIA EXISTIDO em mim de maneira muito latente. daí depois de concluir isso me vêm a cabeça que essa ingenuidade linda que eu vejo hoje foi a "docilidade idiótica" da infância, que eu passei todo esse tempo tentando negar.
a alma grita quando se depara com um pedaço seu. ela quase rasga nosso corpo, chama atenção através do nosso pessimismo (nós e essa inclinação à auto-piedade) à característica que precisa ser resgatada! e você fica como "escravo" de você mesmo, masoquista, medindo o tamanho da dor que é não ser mais assim... ao invés de escutar a voz tímida que existe meio castrada dentro de você que diz que talvez você tenha deixado algumas decepções ao relento, descuidadamente. e que sem cuidado consigo é impossível cultivar auto-amor.

* engraçado como a construção do que chamamos de personalidade costuma ser uma série desenfreada de cagadas oculta(da)s.

* perceba o movimento soufofa e sofro por isso se transformar em sou fria e admiro quem é fofo. perceba o quanto é PURO e demente massacre acreditar que somos limitados pelo que vivemos. o que vivemos nos limita/define na medida que desconhecemos o Quê de fato vivemos, o quê sentíamos enquanto estávamos vivendo, o que queríamos na época estar vivendo, o que gostaríamos de mudar em nós mesmos, etc etc etc nós somos definidos pelos nossos traumas (karmas?) na medida em que tememos não olhar para a causa deles.
uma vez dissolvidos, podemos escolher abrir outras portas, conjugar outros verbos, brincar de ser bobo, escolher diferente. fazer escolhas que revelem outro padrão de comportamento e interesses.
viver passa a ser escolha consciente, não existem vítimas, nem algozes, só consciências vivendo a confusão em dízima periódica, consciências como eu fui, que apenas observam as ações automáticas e repetidas do ator lá ao longe... consciências que percebem tudo do backstage, mas que não são requisitadas pras funções personais do day-by-day.

queira conhecer-te. sem receios. e conhecerás aos Deuses e ao Universo =)

CD: meditação sons da natureza (urbana)

ouço um som alto de cigarras,
tardo,
um pouco escuto, no escuro do meu quarto,
cessa o barulho e quieto,
descubro
não era bicho, era a sirene do carro!

Quem sou eu