...No princípio era o Verbo...

terça-feira, 15 de julho de 2014

corre o rio

Todas as decisões terminativas são e não-são definitivas
Elas ordenam e realmente fazem as portas se fecharem
atrás de si
Mas ignoram o futuro
que as espera
depois
E através delas

"Pois posse é pobreza e medo: a posse despreocupada é ter possuído algo e dele ter aberto mão!"

dress coding

A mulher superior
Vê as coisas com tanta altura
(Quase não enxerga o chão que pisa, e tropeça)
Sabe de cor o manual de boas maneiras
E a melhor maneira de ter boas ideias
Ideias melhores
E sabe como superar os outros
(Enquanto a sombra cresce projetada às suas costas)
Num jeito de olhar, numa jogada de cabelo
A mulher treinada para ser fatal
É patética
e mortal
para ela mesma

class room

nós: esquemas fechados, fluxogramas
Vida: sistemas abertos, rede de pesca
(com uso alternativo grátis, serve também pra deitar)

nós: aprender é repetir
Vida: aprender é esquecer como se fazia

nós: desenhar para depois colorir
Vida: pintar. com os dedos. e para fora da tela
(aplicável em: rostos, paredes, e confissões)

nós: traineiras miúdas atochadas de pertences
Vida: voo livre, planar leve e independente

fotofolia

o trauma e o insight sensibilizam a mesma membrana:
a que nos fecha e reserva do mundo
e a que se abre e floresce no outro

odoyá

que tipo de resposta um sujeito vai buscar junto ao mar?

aquela que silencia todas as perguntas

as certezas mais absolutas, que racham a gente
ao meio e por dentro
desde o centro
também se quebram com as ondas

vai sentir o solo firme amolecer
sob a planta dos pés
na areia

vai enevoar sua razão
ter férias do eu

vai sentir-se pequeno
junto ao tanto que ignora
reconhecer-se
na imensidão do que lhe abriga
e aonde pertence

vai libertar-se na gravidade zero das águas
do peso constante de ser alguém
com responsabilidades
e malas e papéis e gavetas de meias

vai ser manso
no vai-e-vem
das marés

vai buscar a não-resposta
do horizonte
anônimo
que o encara,
e cala

vai buscar o ensinamento rítmico das ondas
que não param de chegar
e se esvair

e descobrir que suas águas
têm o poder de dizer
o que é pra ficar
e o que deve partir
e pode esvaziar a turbulência
e pacificar o sofrimento
e pode trazer palavras profundas do vazio
e escoar o som
para o silêncio
e aquietar o corpo
quando se desentende com a mente

segunda-feira, 14 de julho de 2014

moleskine

os pedaços os fiapos e os quases, os cacos contam histórias melhores

a haste de um óculos solta da armação, ilhada por zilhares de pedacinhos de vidro sem cor espatifados
cobrindo não mais que um décimo de nada da calçada
trazem a pergunta pronta, na lata: o que aconteceu aqui?
intempestiva, cruza como um relâmpago perdido em dia de céu claro, quase desapercebido
no terreno mal trabalhado das coisas que pensamos sem ter toda consciência do fato

que tipo de arrebatamento teve o homem - porque sim, a haste foi capaz de dizê-lo, mesmo sem vir com a identidade e o gênero do sujeito anexados
na sarjeta -
o homem que caminhava pela rua calma, quase desértica?
a logo da grife na lateral tenta ostentar uma certa superioridade frente aos desconfortos e à própria deficiência,
como se dissesse estar ali para embelezar os olhos diferenciados que os vestem
por estética, e não (nunca) por urgente necessidade

que fim levou o homem dos óculos gucci, enfim e então, tão mortal e suscetível a imprevistos,
tão na mão da miséria surpreendente da vida quanto um João ou um Zé de vista ruim igual
e não era porque não tinha conseguido enxergar o imprevisível vindo, rindo, prque afinal
com óculos de marca, há pouco o quê um homem possa ser privado de ver
ou não?

nem a armação ele tentou salvar. será que ele saía varado da cena imaginária? foi um soco que partiu a lente em mil pedaços? Será que correu pra fora da história e deixou os óculos e sabe-se lá o quê mais
para trás?

não são mistérios que valham a pena serem investigados, mas quem vê arte nos ocasos, no fim de festa, percebe
e toma notas
se não inteiramente precisas e valiosas, pelo menos dignas da tinta
até pq tanto a caneta de dez centavos quanto o pensamento são, os dois somados, quase 0800

Quem sou eu