...No princípio era o Verbo...

terça-feira, 26 de junho de 2018

Sobre desejo: a oferta, a procura e a escassez

A semelhantes leis obedecem nossa afetividade: quanto mais desejo algo, mais distante de mim se torna, mais valor atribuo, menos pareço ter recursos de alcançar. Minha energia mental-emocional-afetiva-sexual se dirige com tanto ímpeto, contemplando, estando atomicamente junto àquilo que me atraiu; atribuindo-lhe divindade e perfeição; tanto mais meu espírito está com aquilo que desejo, mais poder entrego a ele. Mais real e magnânimo se torna. Mais real e mais magnânimo do que tudo aquilo que pôde vir antes.

Na cena, o meu afeto cria um novo ente - que não é a pessoa/situação objeto de desejo & não sou eu também. Investido da minha energia, cada vez mais com ele me identifico, em um jogo narcísico em que espelho a mim mesmo no outro, e por ele me apaixono. Me apadrinho desse novo ser, considerando-o parte de mim, me identificando (dissociadamente) com ele, e a ele atribuindo, tantas vezes, tantos traços que são da minha própria (piro)técnica de criar realidades; traços de artista e não da feição objetiva daquilo que admiro. Miragem.

Na economia das relações, a moeda é a energia, o investimento é o desejo e a aposta de outro possuir. Quanto mais invisto, mais esvaziado dos meus recursos estou eu. Pinto o outro com as tintas que colorem meus contornos, pois como poderia criar algo que não fosse a partir do meu próprio ser - a quem estou indefinidamente atado pelos laços da existência? No entanto, não pinto a mim, pinto o que me completa e que apenas intuo sua falta em minha topografia psicoemocional. A vaga lembrança do que não sou cria quem sois (para mim). E quanto mais desejo, mais se aprofunda o abismo entre eu e aquilo que - penso, - me abastece. Ausência.

É na escassez que nasce a paixão. Uma espécie de hiperaquecimento do mercado afetivo em que toda uma cadeia produtiva-emocional entra em combustão para atender às demandas urgentes, recém-surgidas e recém-criadas pelo sistema capitalista neoliberal/ intelecto-afetivo do humano no século XXI, que tanto tem, e que tanto precisa - paradoxalmente. O desejo quer possuir, consumir, tragar e tornar o outro parte de si, em um movimento inconsciente de trazer de volta para a totalidade psíquica a energia no delírio investida. O outro é o delírio apaixonado do eu. E o desejo é puro vazio magnético.

Como quebrar esses sistemas sem perder o glamour? A primeira resposta, certamente não definitiva, mas imprescindível, me parece ser: Conhecendo a forma como se organizam. Antecipando as tendências, as características desses fluxos, conhecendo os vales, olhando fundo nos déficits estruturais fundados nos marcos históricos da personalidade, e amando profundamente a experiência da vida, com tudo, contudo, e apesar de tudo. Enamorando-se do processo de conhecer, fazendo amor com a própria ignorância de si - que dirá do outro, do Mundo, da Vida. Estando aberto, amoroso e consciente. Estando em relação ativa e sensível com a existência, nutrindo-se e diversificando as fontes de satisfação. Construindo a soberania afetiva (que nunca será colonialista, mas insurgente e vivaz), uma economia psíquica forte e flexível, sabendo partilhar os valores, sem ostentação nem mesquinharia. Nas finanças e nos afetos: a monocultura nunca dá certo.

Quem sou eu