eu achava que o mundo era uma bosta, e que eu, sozinha na canoa
eu, tão fragil tão boba
sentindo aquele mundo tão grande e magnanimo em merda boiando
as canoas outras divagando por ai, encontrando vez ou outras umas com as outras
indo embora logo em seguida, banhando
eu e minha canoa, boiando na merda, tentando desesperadamente não me sujar
eu completa de fezes eu mesma, por dentro, sem conseguir enxergar
na fase anal de Freud sem conseguir de nada me livrar, e aquele mar! aquele mar me arrastando como se fosse me capturar a qualquer deslize
eu, a mente ferrenha e conviccta, o coração mole e um tanto triste
um tanto esquecido, há muito tempo ele estava
hoje ele fala comigo e eu me assusto
parece que é outro que comigo conversa, mas não sou eu
eu, mente, eu preparada, eu maior que tudo aquilo
de repente eu, sozinha.
de repente eu, silêncio.
de repente eu, um turbilhão de merda.
eu sou aquele mar
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o que me faz eu afinal? estive todo esse tempo acreditando nas minhas verdades
puxaram minhas verdades sob os meus pés, me tiraram
me deixaram com esse coração desacelerado
me deixaram sem vontade, sem tesão intelectual
tudo calmo
me deixaram também meus pais, me deixaram nascer
e agora me vejo
nascida
e agora?
e agora me abraço e me amo e me VEJO, e tudo é tão estranho
tão orgânico
tão extraordinariamente natural
tão naturalmente bizarro
e ninguém vendo,
ninguém acordado
só vejo os Homers sentados em frente a TV, se pirando
como eu, antes, me pintando
para enfim rasgar a tela
quem é esse que fala comigo através do espelho?
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eu amo esse mundo
eu amo o mundo que se criou sozinho e agora me criou também
eu amo esse mundo de homens-bomba
eu amo esse mundo onde o suicídio pode ser a arte que faltava
a arte que partiu!
esse mundo de maestria
esse mundo de desastre, é ele que eu amo
eu AMO a sociedade
que tanto nos fez sofrer com ansiedades e ansiolíticos
pra depois nos deixar perceber
que nada que ocorra no mundo aniquila nossa verdade
os políticos estão gritando, quê lindo
as crianças estão chorando, que lindo!
os criminosos continuam matando, QUE LINDO
feio é o óbvio.
e ele não existe.
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de toalha sentada na frente do computador
quem é esse eu de saia que se apresenta com esplendor?
qm eh essa que não repara se as pernas tão abertas ou fechadas
quem é esse eu, que abre as portas e não repara em nada?
de quem são essas mãos que correm no teclado, de quem é esse aperto no peito,
esse morango esmagado?
quem é o outro que estabelece com esse estranho eu, um contato?
como saber o mundo, estando tão acordado?
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