...No princípio era o Verbo...

domingo, 10 de maio de 2009

Sobre o brilho e as dores do Mundo

eu fico boba quando eu vejo a relação da minha mãe com a minha gata (e vice-versa)... quando elas se olham, alguma coisa acontece, há alguma partícula que as duas dividem que faísca em seus corpos quando se reconhecem os olhos. o mágico mesmo é que enquanto trocam esses olhares, parecem estar preenchidas de um sentimento que somente elas compartilham, e do qual o resto do mundo não participa e não está nem ciente de que existe, que dois seres diferentes podem comungar o mesmo mantra... quando elas se olham é tão sincero, que quase dói lá no fundo a certeza de que não há honestidade maior do que a que compartilhamos com esses seres, tão diferentes de nós. e não digo somente dos gatos, digo de todos os animais que nos olham fundo, através de nossas carcaças perecíveis, sem a menor consciência de estarem nos despindo, e com a súbita inocência de criança que só sabe ler o sensível, só sabe ler o óbvio. pq sim, é preciso entender que nossa linguagem é por demais complicada pra que possamos dizer, ou ser algo que não seja dubio, ou paradoxal. somos bichos imensos e imponentes, resignados ao sapato apertado da métrica, isso nos faz espécimes complicadíssimas... e os nossos companheirinhos não vêem isso, eles não nos julgam. e é por isso que penso haver entre nós e os demais animais do Reino, uma espécie de equilíbrio, pois quando nos relacionamos com eles, voltamos em pequena medida a falar a língua de deus *, a língua que não está nas impressões recentes da bíblia, a língua que o nosso povo esqueceu... e isso nos trás um pouco de volta pra perto do que realmente somos, quando ficamos encantados com o quanto de amor podem nos dar esses conterrâneos de peculiar fisiologia...
quando vejo a Bel e a minha mãe se olhando, eu penso em tudo isso. e mais ainda em uma passagem do clássico do Milan Kundera (A Insustentável..) que falava mais ou menos que o verdadeiro grau de bondade do homem, só poderá ser medido no seu relacionamento com os que não demonstram força, ou indicam perigo: os demais seres vivos... nunca poderá ser dito bom um homem que ajuda somente àqueles dos quais sabe que irá tirar algum proveito mais tarde. não existe bondade com quem você mede forças. seja um affair, uma ex do seu atual, ou whatever... dificilmente haverá bondade pura entre os homens, com seus desejos e intentos tão sofisticados... a bondade é gratuita, aparece sem preço de custo, ou juros! e há em nós, uma grande gama de interesses, ao qual o mundo está subjulgado em nossas sinapses, e assim fica difícil, realmente, nos doar a qualquer outro... e do jeito que as coisas andam, se olharmos, como Milan o fêz, para o mundo em que nascemos e o mundo que estamos deixando, tão porco, tão podre, tão violento, é impossível evitar o sentimento de que algo saiu errado...
das árvores que colheríamos o alimento, fizemos tábua para nossos móveis, e papiro pras nossas assinaturas; dos animais que fertilizariam esse solo, ou daria-nos leite, ou ovos eventualmente, tiramos logo a carne, a pele, o osso, o tutano pra fazer creme de cabelo, até que aquilo não pareça com algo que um dia teve vida... e é assim que eu imagino a Terra, momentos antes de as deixarmos, seca, pelada - ficou que só os galhos, coitada - rachada feito o solo do meu sertão... tanta gente viveu nesse mundo, e lutou, e deu a vida a essa luta, pra que deixássemos a nossa casa assim, marcada pra morrer; pra que deixássemos a vida com medo do que pensar da vida que deixamos pras crianças viver... eu me envergonho, me enveneno, até, desta verdade, honestamente. e essa vergonha cresce a cada dia, meu tamanho meu corpo físico lúdico gasoso, meu mundo, meu Universo Inteiro se reduz a cada dia... todo dia acordo um pouco menor, um pouco mais curvada, com mais rugas... e me sinto cansada... e fico pensando até quando... até quando, meu deus, eu vou acordar com o peso do mundo desmoronando sobre as minhas emoções... é possível envelhecer com isso guardado?
eu quero viver pra ouvir o ronron dos gatinhos, e a mágica composição do canto dos passarinhos, e ver o sol nascer, e morrer, todo dia, sem pensar que a minha espécie está destruindo tudo aquilo que eu amo...



* por favor, queiram entender aqui que "de deus" não se trata SER BOM, MORALMENTE VIGOROSO, ou DOGMATICAMENTE ACEITÁVEL, me refiro simplisticamente ao que é da Natureza, não me importam muito os nomes...




Lui diz:
*dps te mando o link se quiser
*mas eh mais um dakeles textos reclamando da vida
Dani diz:
*mande
Lui diz:
*eu preciso dessa terapia, eu acho... pra continuar vivendo. pra nao ter q cuspir tds essas coisas na cara das pessoas
*pela minha paz de espírito talvez...

3 comentários:

  1. da potencia da palavra!!!!!!!! vamos nos abstrair e abandonar essa torre de babel escrota

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  2. "Uma vida que não é analizada não merece ser vivida" (Sócrates) pois existir dentro desta realidade tão complexa e bipolar (somos animais e natureza, ao mesmo tempo em que somos, dentro de toda a natureza, diferentes). Nós julgamos, e as consequências do nosso julgamento será o fim ou a salvação de tudo que na natureza, garante a nossa existência. Um animal que está em desacordo com o seu entorno é eliminado pela seleção natural, mas essa espécie (como os dinossauros) não tem responsabilidade por isso. Os homens sobreviveram desde a era do gelo por serem capazes de adaptar não a sí mesmos ao ambiente ao seu redor, mas o ambiente ao seu redor às suas necessidades. Daí que somos mais do que animais e daí que precisamos avaliar, analizar e repensar, para não acabarmos extintos como tantas outras espécies anteriores a nós. Por que se formos extintos, não teremos a mesma anistia. Seremos sim, responsáveis.

    Portanto eu reafirmo, "uma vida que não se avalia, não merece ser vivida". Deixem a vida os que não tem responsabilidade pela sua espécie, e que não buscam supera-la em cada decisão do quotidiano!

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